O seu objetivo é criar pontes, para que as pessoas possam aceder à informação, reunir-se e participar na melhoria do seu bem-estar, no presente e no futuro, através da inovação social e de uma nova consciência ecológica. Constança Aragão Morais lidera a área de Crianças e Jovens na Ashoka, em Portugal. Nas restantes horas do dia, é também consultora e formadora de impacto social.
Neste papel, tem colaborado em várias ocasiões com a Comunidade Impacto Social - uma iniciativa dinamizada pela 4Change, em parceria com outros promotores, e dedicada à promoção de uma nova cultura de impacto nas entidades da economia social. Atualmente está a liderar as sessões de capacitação interna para os mentores do programa IS_beta.
Primeiro de tudo, o que significa ser consultores de impacto social? Achas que esta figura já é reconhecida em Portugal?
Para mim, ser consultora de impacto social significa promover a ação, reflexão e intuição orientadas ao impacto. Por outras palavras, sinto que a minha missão é chamar todas as partes intervenientes num projeto ou organização a sintonizarem-se com o que realmente interessa e dar-lhes as ferramentas para que com isso possam avançar num caminho virtuoso de impacto positivo e multiplicador. Não sei se esta figura é mais ou menos reconhecido em Portugal do que noutros lugares do mundo. Observo que descobrir uma estrela norteadora é uma necessidade cada vez maior, tanto para as pessoas como para as organizações, numa realidade cada vez mais complexa, difusa e mutável. Por outro lado, o sector evoluiu e os próprios financiadores exigem provas do retorno social do seu investimento. Consequentemente, existe uma procura crescente por avaliação de impacto na área social e um benefício cada vez maior retirado desta prática.
Neste momento, estás a colaborar com a Comunidade Impacto Social para contribuir a formar os mentores do programa de capacitação IS_beta, mas esta não é a primeira vez que estás envolvidas nas atividades desta iniciativa. Podes descrever como foi a tua primeira experiência e quais aprendizagens trouxeste contigo desta vez?
Ingressei nesta jornada como mentora, na edição de 2016. Tem sido uma experiência muito rica que me fez compreender melhor como pode a avaliação e gestão de impacto social servir as organizações. Ficou claro para mim desde logo que, nesta prática, mais do que pensar em “certo” e “errado”, o que faz sentido é falar de “mais útil” e “menos útil”. O importante, mais do que sermos bons alunos a aplicar uma metodologia de avaliação, ou termos números brilhantes para apresentar, é o processo de envolvimento dos stakeholders, a criação de uma compreensão comum sobre o impacto e a criação de ferramentas e procedimentos que nos permitam tomar decisões orientadas ao nosso propósito último enquanto pessoas e organizações.
Quais são os principais desafios que estás a enfrentar agora? Há alguma diferença respeito ao passado?
Na verdade, cada ano o processo é mais fácil e fluido. Depois da preocupação com o rigor técnico, surge espaço para focar nos detalhes realmente importantes e nas lições a retirar de todo o processo para realmente fazer diferença nas organizações, pessoas que lá trabalham e beneficiários. Também a cada ano parece que as organizações que participam têm mais vontade e facilidade de integrar os conceitos e práticas de avaliação de impacto social às suas realidades, o que também se deve à evolução do próprio sector e conhecimento geral sobre o tema.
Até agora, o programa IS_beta tinha-se centrado numa metodologia de avaliação específica: a análise SROI. No entanto, este ano decidiu-se testar uma nova metodologia. Podes contar-me mais sobre esta decisão?
O SROI trouxe para cima da mesa aspectos muito importantes sobre a avaliação de impacto social, nomeadamente a importância de questionarmos a eficiência na criação do impacto, confrontando-o com aos recursos investidos. A metodologia também apresenta soluções para termos em consideração o valor das mudanças para os stakeholders e a sua duração, quando consideramos o seu impacto (indo assim para além do limitado conceito de distância percorrida, que apenas nos indica a quantidade da mudança).
No entanto, o facto de a unidade de medida usada para tentarmos expressar todos estes fatores ser o dinheiro acaba por criar muito ruído e enviesamento, principalmente quando se recorre a aproximações financeiras para valorar as mudanças sociais. Esta técnica pressupõe que o preço de mercado ou a disponibilidade a pagar por um produto/serviço reflectem o valor do mesmo para essas pessoas, e na verdade existem muitos outros factores que influenciam esses dois indicadores (e.g. subvenções do Estado, custo de produção ou o próprio poder de compra das pessoas), que são difíceis de tirar da equação. Também a determinação da duração das mudanças num número concreto de anos é rebuscada - como posso, sem um estudo científico rigoroso com recurso a grupos de controlo, justificar que o impacto de uma mudança dura exactamente 3 anos, e não 4 ou 5?
Assim, considero que o SROI peca por uma busca excessiva por precisão relativamente a algo tão intangível como o impacto social. Esta excessividade acaba por comprometer o que deveria ser o seu propósito primordial, que é o de aumentar a compreensão do que realmente acontece como resultado de uma intervenção, acabando em alguns casos por nos afastar da verdade dos nossos stakeholders.
É típico querermos procurar verdades absolutas, metodologias à prova de bala e números mágicos e reconfortantes como o “retorno social do investimento”. O que acontece é que muitas vezes apegamo-nos a aparentes certezas simplistas que apenas nos afastam da compreensão holística da realidade, que é sempre complexa. Às vezes, aceitar a qualidade relativa e infinitamente intrincada da realidade é o primeiro passo para obter uma inteligência maior e mais profunda sobre esta.
Foi com base nesta constatação que este ano adaptámos a metodologia e substituímos as aproximações financeiras e a duração por índices de importância e durabilidade, reportados pelos stakeholders e por isso completamente subjetivos. O índice de impacto obtido, ao contrário do rácio SROI, apenas pretende ter um caráter relativo, ou seja, apenas tem utilidade nas análises comparativas entre mudanças ou projetos. Este índice reflecte única e apenas o julgamento dos stakeholders relativamente ao impacto que sentem como resultado do projeto. Desta forma, as organizações participantes são convidadas a olhar para os números obtidos na avaliação de impacto como meros sumarizadores das diferentes perspetivas dos vários stakeholders (a beleza dos números como meio de comunicação é que podemos calcular médias e assim convergir uma multiplicidade de realidades a um único símbolo universalmente compreendido).